segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O passado escorado: a morte de São Leopoldo

   Esse post não começa agora. Ele começa numa manhã de 2004. Naquele dia havia um escritor autografando seu livro na, então, tradicional Livraria Rotermund. Ivanio Habkost autografava a sua obra " Um Rio entre nós", um romance sobre a História de São Leopoldo. Não havia ninguém lá além do escritor. Naquele dia, percebi, o que estava relutanto para aceitar: minha cidade estava morta!
   São Leopoldo, a cidade onde vivo e que empresta seu apelido a este blog estava morta, ou, mais positivamente, morrendo. Por que digo isso da cidade onde vivo com mais 210 mil pessoas? Explico.

São Leopoldo: berço da imigração alemã e jazigo perpétuo da Memória e da Cultura
  Conhecida como " o berço da imigração alemã" no Brasil, São Leopoldo não tem mais muitas coisas que nos remetam aos imigrantes, com exceção dos belos fenótipos da população descendente. De uma colônia que abastecia Porto Alegre no século XIX, o pequeno povoado se tornou numa pujante cidade, em termos econômicos.
   Agora, onde está a marca do passado leopoldense? Num museu que em nada remete aos imigrantes alemães, exceto pelo seu acervo interno? Numa casa enxeimel que era uma senzala e foi reconstruída em meados do século XX para lembrar a memória germânica? Ou nas pedras da Rua Independência? Em lugar nenhum senhores, a cidade, assim como os peixes do seu rio, não existe mais.


Assim como os peixes morreram por falta de oxigenação, a cidade morre por falta de memória

    A Rua Independência, vulgo Rua Grande, antiga passagem de tropeiros, ainda possui prédios lindíssimos, de rico valor arquitetônico. Mas, onde estão eles? Sim, meus caros, escondidos atrás de placas e mais placas de publicidade de lojas exóticas. Digo lojas exóticas por conta da morte proporcionada às lojas tradicionais da cidade. Isso não é fenômeno exclusivo de São Leopoldo, é um fenômeno da Globalização, o que, de forma alguma, o faz ser menos lamentável.


Tente encontrar a beleza dos prédios atrás das placas poluídoras visuais: só as pedras do chão ainda lembram o passado leopoldense
   E a pequena vila que possuía uma rica área rural que alimentava a região metropolitana ficou apenas nas fotos. A especulação do mercado imobiliário destrói, não só o que restou das áreas rurais, mas também o que restou de natureza intocada na cidade, para construir casas de qualidade duvidosa para a população crescente. Veja os casos do Morro do Paula, Mato do Daniel, ou a área de mata no Bairro Padre Reus. São apenas alguns exemplos que, além de indignantes, são imorais e contra todos os apelos de desenvolvimento sustetável amplamente propagados e discutidos, inclusive, na própria cidade, dentro da Unisinos.
   A cada dia que passa vejo uma maior degradação do passado. O Bairro Rio dos Sinos, que anos atrás poderia ser chamado de tradicional, hoje posso chamá-lo de ruína. Na rua Dr. Hillebrand havia um casarão antigo de grande beleza e que desabou, sem que se ouvisse uma única voz a tentar reverter o estado precário em que se encontrava a residência. Além disso, as casas antigas da Rua da Praia são uma visão triste de um passado que se foi. Mais recentemente, a queima do prédio dos Vinagres Weinmann entra para a lista de locais de memória destruídos.

Fábrica Weinmann: mais um local de memória destruído

   Muito próximo da casa onde cresci e fui adestrado há uma lindíssima mansão do século XIX em estilo neo-clássico, antiga sede da Fazenda Campina, que, muito provavelmente, receberá o mesmo destino de todos os outros lugares de memória em São Leopoldo: a ruína. Esse local já está habitado por drogaditos de toda ordem e, creio, o poder público nem sabe disso.
   Outro caso de descaso está no casarão na Rua Saldanha da Gama. Escorado por toras de eucalipto, muito em breve irá receber o que merece: o chão. Ah, nem quero lembrar do incêndio da antiga sede da Unisinos...
   Por tudo que disse acima, iniciativas como a da empresa Zafari/Bourbon, de instalar um shopping que lembra uma grande casa enxeimel, acabam por ser alienígenas. A maioria dos leopoldeses nem sabe o motivo de também serem conhecidos como capilés. A festa anual que a cidade promove é outro absurdo, esse de proporções épicas, pois promove um resgate de memória tão efêmero quanto a duração das festividades.


A falta de memória é tamanha na cidade que o Shopping Bourbon acaba por ser uma construção alienígena
   Agora entre São Lepoldo e seu passado existe não mais um rio, mas um oceano, cheio de peixes mortos.
   Vivo num grande jazigo, onde peixes, Memórias e Histórias morrem; um povo sem Memória  não é um povo; um povo sem Memória tem História, mas a desconhece; um povo sem História não existe; uma cidade sem povo também não.
   Jaz São Leopoldo, mas não em paz.


Aqui ainda é possível ver a beleza das fachadas dos prédios da Rua Grande. Também é o único lugar onde isso é possível!


  Um abraço sufocante e leopoldense à todos!

2 comentários:

  1. Concordo com tudo que foi postado acima!
    Inclusive só dei mais valor à São Leopoldo depois que fui embora do Estado!
    =/
    Saneara.

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  2. Não possuo recursos para reforma de meu telhado e minha casa está fadada ao destino da casa na esquina da biblioteca. A casa possui 90 anos e não foi incluida na lista da prefeitura. Fico triste pois minha filha é a 4ª geração residindo no imóvel e se nada for feito, serei obrigado a me mudar e deixar que o tempo tome conta da casa.

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