Mais um ano que começa. Contas, cidras baratas, bebedeiras sem sentido, programação de verão e, claro,nesse contexto não poderia faltar o programa da família brasileira: Big Brother Brasil.
Quando o escritor George Orwell lançou seu livro "1984" não imaginava, nem em seu pior pesadelo ( talvez um sonho em que porcos falavam de Revolução), no que o personagem-metáfora do Grande Irmão iria se transformar. O pobre escritor deve ter transformado seu caixão em liquidificador, de tantas vezes que deve ter se revirado no túmulo.
Um dos maiores clássicos universais da literatura inspirou um dos maiores fiascos televisivos da história. Fiasco somente em termos de conteúdo (sic!), pois sabe-se que, ao menos no Brasil, o programa é uma experiência extremamente rentável.
E, por que diabos, uma produção de péssima qualidade, visivelmente forjada e ridícula, é um sucesso? Explico. Além de, assim como as músicas-chiclete, ocuparem o vácuo interno existente entre as duas orelhas da maioria dos brasileiros ( conhecidos como cérebro, em humanos), o programa oferece algo que apetece ao grande público: a desgraça, a bizarrice e a vergonha alheia. O programa acaba por fomentar o que temos de pior, que é a capacidade de rir da desgraça daqueles homenzinhos presos na caixa.
Mas não ria demais: se você desligar a tevê, ela vira um espelho. Olha bem, quem é que tá preso aonde? Quase todos temos esse espelho para ver o mundo doente, como dizia o Russo... mas trocamos nossa riqueza, que é nosso tempo, por essa quiquilharia sim valor.
Não somos índios cantados por Russo: pagamos pelos espelhos mágicos que nos fazem esquecer do mundo doente. É o nosso teatro dos vampiros encantador! |
Além dos aspectos supracitados, a própria produção do programa dá uma forcinha para que essa encenação fajuta ultrapasse os limites do estúdio onde é gravada. Traçar scripts para os "participantes" e manipular o número de ligações e/ou votos numa apuração de eliminação são algumas dessas táticas. E por que motivos se faz isso? Para tentar envergonhar o cara que, como eu, não assiste essa merda, fazendo com que, por exemplo, todos os colegas de trabalho falem sobre quem vai ser eliminado no "paredão" enquanto, concomitantemente, chegam à conclusão de que sou um chato porque não assisto essa porcaria.
Fabrício: Uma das poucas pessoas que conheço que não mentem que gostam do Big Brother para puxar o saco de alguém ou fazer de conta que tem assunto |
Um das coisas que também me indigna nesse programa é ver o Bial, alguém que por quem tinha certa consideração até o ano 2000, apresentando o circo e chamando aquelas ricas criaturas de nossos heróis. Puxa vida, se ele ainda usasse de ironia para dizer isso, mas, convenhamos, ele tá fazendo o serviço dele. Ter que mentir um monte na hora que os caras são eliminados, dizendo o quanto eles são gente-boa e melhores do que quem tá, infelizmente, assistindo, não é fácil. Ele, o Bial, é um excelente ator .
Agora, concentremo-nos na atitude heróica dos brothers:
É isso ai tudo o que está acima que eles tem de heróicos. Absolutamente nada. Fazem o mesmo que você faz, e, você, também é monitorado por câmeras o tempo todo. Então você também é herói? Pode ser que você seja o Super Zé, mas só vai ganhar muita grana se acertar na Mega.
Herói é quem consegue dedicar algumas horas preciosas do seu dia para ver essa ladainha de faz-de-conta ao invés de dar atenção ao filho, que encontra a devida atenção no seu novo amigo que conseguiu umas paradas naturais para revenda! Até o seu cachorro mereceria mais atenção do que a televisão!
É, esses homens na caixa escolheram entre o bem e o mal, ser ou não ser... sem nunca ter lido Shakespeare, não terem idéia do que seja Maniqueu, pensarem que dualismo é uma classificação sexual e, o pior, nem escutarem Alice in Chains.
De uma maneira absurda e sem nenhuma concatenação, o BBB tenta reunir coisas tão díspares como as colocadas acima |
Vida real, a música da RPM que é tema de abertura do programa, também diz muito sobre o que abre: se eu pudesse escolher, entre a imitação tosca da vida tosca de gente tosca e a minha realidade tosca, escolheria trabalhar até depois do horário para tentar conter a vontade de destruir meu aparelho televisivo.
Quem é irmão de quem? O ser muito além do cidadão Keane?
Um abraço sufocante e fraterno a todos!